top of page

Adultização da Infância e Adolescência: O Peso de Crescer Antes do Tempo

  • Foto do escritor: Marcella Brito dos Santos - Psicanalista
    Marcella Brito dos Santos - Psicanalista
  • 25 de ago.
  • 3 min de leitura

Embora o conceito de infância e consequentemente a necessidade de proteção do infantil seja algo relativamente recente na história mundial, o sintoma social da adultização precoce nos indica uma espécie de gozo coletivo com a violação da inocência e do pueril, expõe as marcas de um processo sócio-histórico de sistemáticas violências contra crianças e adolescentes.


Vivemos em uma sociedade que, contraditoriamente, supervaloriza e estimula a juventude nos adultos e ao mesmo tempo apressa seu fim nas crianças.


ree

Para exemplificar esse paradoxo, podemos citar fenômenos culturais, sociológicos e os últimos hábitos de consumo no Brasil como as músicas Top Hits que infantilizam mulheres em suas letras para fetichiza-las, a parentalidade de bebês reborns, a explosão de vendas de bonecos japoneses Labubus e de livros para colorir (Bob Goods) - nova “febre” entre o público adulto - e que está dentre os 5 livros mais vendidos da atualidade segundo levantamento publicado no jornal “O Estadão”.


Em contrapartida, observamos uma cada vez mais expoente e aterradora adultização de crianças e adolescentes nas mídias e redes sociais,  tema reacendido pelo influenciador Felca em um vídeo recente postado em seu canal no Youtube e que inflamou o debate público.


A adultização pode ser compreendida como uma dinâmica onde crianças e adolescentes podem ser induzidos, influenciados ou forçados por um adulto a assumir responsabilidades, incorporar uma estética ou reproduzir atos e/ou comportamentos incompatíveis com a sua idade cronológica e/ou maturidade psicoemocional.


Esse fenômeno pode provocar marcas profundas no sujeito, uma vez que a infância é um período crucial para o desenvolvimento emocional, social e cognitivo. Quando essa fase é encurtada, podemos ter como consequência: quadros de ansiedade, estresse, insegurança, baixa autoestima e, muitas vezes, traumas que se arrastam por toda a vida adulta, ou seja, ao forçarmos um amadurecimento artificial em nossas crianças e adolescentes, contribuímos também para a construção de adultos emocionalmente sobrecarregados, imaturos e mal resolvidos afetivamente.


Não é difícil perceber como essa dinâmica pode se manifestar em suas múltiplas faces. Crianças com rotinas lotadas de compromissos, adolescentes pressionados a “dar conta de tudo” sem demonstrar seus afetos, a apresentar resultados e gerar likes,  meninas que são sexualizadas desde muito cedo pela mídia  e redes sociais, crianças que precisam assumir o papel de cuidadores dentro de casa.


Em casos ainda mais graves e criminosos de violações oriundos da adultização, existe a utilização da mão de obra infantil e do abuso e exploração sexual infanto-juvenil. Embora existam dispositivos legais de proteção como o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) e o canal de denúncias Disque 100 por exemplo, todo esse mecanismo de agressão sistemática, faz parte de uma cultura que erotiza as infâncias, supervaloriza a produtividade, a estética juvenil e a independência precoce, mas ignora as consequências catastróficas da  interrupção da vivência plena de cada fase da vida.


É urgente que se reconheça a adultização em suas múltiplas faces, como uma grave violência estrutural. Famílias, escolas, meios de comunicação e o Estado precisam repensar suas práticas, políticas públicas e discursos.


Em tempos em que se discute tanto sobre o futuro das novas gerações, é necessário lembrar que o futuro só será promissor se o presente for respeitado. Para isso precisamos permitir que crianças e adolescentes vivam plenamente cada etapa sem um peso que não lhes cabe.


Marcella Brito dos Santos - Psicanalista, pesquisadora e historiadora. Mestranda em Psicologia na Unilogos International.

Instagram: @psic.marcellabrito


bottom of page