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Autismo, Fé e Saúde Mental: uma jornada vivida entre o direito, o cuidado e a esperança

  • Foto do escritor: Elaine Marques
    Elaine Marques
  • 13 de jun.
  • 5 min de leitura

Por Dra. Elaine Marques

Advogada e mãe atípica


Falar sobre autismo transcende minha profissão – é parte da minha jornada diária, vivida com amor, lutas e aprendizados. Como advogada especializada em direitos das pessoas com deficiência e mãe de um adolescente autista, vivencio os desafios que muitas famílias enfrentam silenciosamente: barreiras invisíveis, sobrecarga emocional e a luta constante por acesso ao básico.


Este cansaço marca alma e corpo de quem cuida, mas raramente aparece em laudos médicos. É nesta intersecção entre o jurídico e o afetivo que surge a urgência de discutir saúde mental – não apenas das pessoas autistas, mas também de seus cuidadores.


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Direitos existentes, mas nem sempre acessíveis


O ordenamento jurídico brasileiro avançou com a Lei Berenice Piana (12.764/2012), o Estatuto da Pessoa com Deficiência (13.146/2015) e a Lei Complementar 142/2013 sobre aposentadoria. Contudo, na prática, o acesso a esses direitos permanece desafiador.


Famílias travam batalhas diárias por terapias contínuas, educação inclusiva e reconhecimento diagnóstico. Burocracia, desinformação institucional e preconceito transformam a busca por direitos em caminho exaustivo, onde quem reivindica dignidade é frequentemente rotulado como "exagerado" ou "dependente".


Saúde mental: o direito negligenciado


A saúde mental é frequentemente negligenciada, tanto para pessoas autistas – que raramente recebem acompanhamento adequado devido à falta de capacitação dos serviços – quanto para suas famílias, especialmente mães, que geralmente são as principais cuidadoras.


A sobrecarga emocional é real: culpa, medo do futuro e luto por expectativas sociais não atingidas pesam sobre quem ama e cuida. Famílias necessitam de redes de apoio para serem acolhidas e fortalecidas, evitando adoecimento e colapso silencioso.


Entre acolhimentos e ausências


Nem sempre os desafios estão nas leis ou terapias. Às vezes, o que mais dói é a reação das pessoas.


Certa vez na praia, meu filho se aproximou de uma jovem que tirava uma selfie com sua madrinha. Ao perceber que ele a "interrompia", corri até lá para retirá-lo com educação, pedindo desculpas. Mas, para minha surpresa, ela respondeu com doçura que havia chamado meu filho para a foto, e o elogiou por ser gentil.


Ao explicar que ele era autista, ela respondeu naturalmente: "eu percebi". Aquele momento transformou-se em encontro genuíno – ela ouviu suas histórias de dinossauros e dragões, que eram o hiperfoco dele naquele momento, sem pressa, foram ao mar juntos, respeitou seus silêncios e não se espantou com suas estereotipias.


Mas raramente é assim. Frequentemente vejo meu filho sendo ignorado, excluído de rodas de conversa. Uma vez ele me perguntou: "Mamãe, por que meus amigos fingem que eu não existo?"


Minha formação jurídica não me prepara para responder a isso. Nesses momentos, recorro à fé, orando para que Deus proteja seu coração – e o de tantos outros – para que a exclusão não se transforme em isolamento ou depressão.


A atitude daquela jovem na praia foi reparadora e me questiona: se uma desconhecida demonstrou tanto respeito e empatia, por que ainda é tão difícil para a sociedade fazer o mesmo? Acolher uma pessoa autista não exige especialização, apenas humanidade. Basta querer aprender, ouvir, respeitar — e amar o próximo como a si mesmo, como nos ensinou Cristo.


Quando lutar vira rotina


Além da exclusão social, nós, mães de pessoas autistas, enfrentamos a negligência institucional. Diariamente batalhamos com o Estado, escolas e planos de saúde para garantir tratamento adequado, individualizado e imediato aos nossos filhos.


Famílias ignoradas pelo sistema entram em colapso emocional, financeiro e conjugal. Nas escolas, apesar do crescente número de alunos autistas, faltam professores preparados, recursos e empatia. Simultaneamente, esses professores também precisam de formação, acolhimento e suporte emocional do Estado.


Efeitos dominó: adultos autistas não diagnosticados


Muitos se tornam adultos que enfrentam o mercado de trabalho sentindo-se desajustados e excluídos. Quantos autistas não diagnosticados estão adoecendo emocionalmente nos ambientes profissionais, vítimas de assédio ou esgotamento?


Muitos recebem diagnósticos de depressão, burnout ou ansiedade quando, na verdade, apresentam traços do espectro não reconhecidos.


O Censo do IBGE de 2022 identificou 2,4 milhões de brasileiros autistas – número que só aumentou desde então. Até quando agiremos como se fossem uma minoria invisível?


Saúde mental para todos


Garantir saúde mental para a pessoa autista é essencial, mas insuficiente. Precisamos olhar seriamente para a saúde mental de suas famílias, cuidadores, professores e da sociedade que interage com essa diversidade diariamente.


Falar sobre autismo é falar sobre humanidade e como cuidamos uns dos outros. O autismo evidencia nossas limitações como sociedade e nos convida a evoluir como profissionais, instituições e pessoas.


E quanto aos irmãos?


Na correria por laudos e terapias, frequentemente esquecemos de olhar para os irmãos – crianças ou adolescentes que, mesmo em silêncio, sentem profundamente. Alguns amadurecem rápido demais, outros se tornam protetores silenciosos, muitos lidam com sentimentos difíceis como ciúme, medo e culpa.


Como mãe, esforço-me para que todos meus filhos se sintam vistos e amados. Um não pode existir apenas como apoio do outro – todos precisam florescer em sua individualidade.


Fé: sustentação quando tudo falha


A fé tem sido o alicerce que me sustenta nesta jornada complexa e gratificante. Acredito que cuidar de uma pessoa com deficiência ao longo da vida é uma das tarefas mais desafiadoras e sagradas que alguém pode receber – missão que merece respeito social.


Desde o diagnóstico do meu filho, minha fé em Deus me acompanhou em cada choro silencioso, cada vitória suada, cada dia de exaustão ou esperança. Ela me sustentou quando as forças faltaram e mostrou caminhos onde antes só havia cansaço.


Essa mesma fé me acompanha como advogada, pois sei que cada processo representa uma mãe enfrentando dores e buscando respostas. Por isso oro antes de cada audiência e petição, para que Deus me use como instrumento de justiça e misericórdia – porque a justiça transformadora vai além da letra fria da lei.


Infelizmente, nem todos conseguem seguir até o fim. Muitos pais desistem e, em casos extremos, algumas mães – sem rede de apoio ou acolhimento – tiram a própria vida e, às vezes, a de seus filhos. São mulheres esquecidas pela família, igreja, amigos e Estado, que gritaram por socorro sem serem ouvidas.


Mas a fé me ensina que há esperança mesmo nos dias mais escuros. A Bíblia diz: "Se creres, verás a glória de Deus" e "Ainda que teu pai e tua mãe se esqueçam de ti, Eu, o Senhor, jamais me esquecerei." Essas palavras são âncoras que me impedem de afundar e me levantam cada manhã.


Esta reflexão nasce do olhar de uma profissional que luta diariamente pelos direitos das pessoas com deficiência nos tribunais, mas, acima de tudo, do coração de uma mãe atípica que conhece as dores, batalhas e pequenos milagres cotidianos.


Que sua jornada se torne mais leve e sua mente encontre alívio, porque há esperança. E, para mim, essa esperança está em Deus.


Forte abraço,

Dra. Elaine Marque


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