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Entrevista com Suellen Priscille: A Força e a Voz da Maternidade Atípica

  • Foto do escritor: Portal NeuroDivergente
    Portal NeuroDivergente
  • 4 de jun.
  • 6 min de leitura

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Por Eliana Nakakubo


Em uma conversa franca e emocionante, Eliana Nakakubo entrevista Suellen Priscille. Mãe de Clara, uma menina de nove anos com múltiplos diagnósticos, Suellen Priscille compartilha sua jornada na maternidade atípica, a luta por inclusão e como encontrou nas redes sociais uma plataforma para informar, acolher e inspirar outras famílias.**Eliana Nakakubo: Suellen Priscille, conte-nos um pouco sobre você e a Clara. Qual o diagnóstico dela e como foi o momento em que vocês o receberam? Como essa notícia impactou você?


Suellen Priscille: A Clara tem nove anos e um caminho marcado por desafios e superações. Ela possui diagnóstico de autismo nível 3, o que significa que é não verbal, além de paralisia cerebral e, mais recentemente, deficiência intelectual. Nossa história começou cedo, com uma gravidez de alto risco e um nascimento prematuro. Clara passou 50 longos dias na UTI neonatal, e foi lá que recebemos o primeiro diagnóstico: paralisia cerebral. Desde então, nossa vida tem sido uma rotina intensa de intervenções – fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia, hidroterapia, terapia ocupacional – tudo para apoiá-la.


Com o tempo, comecei a notar outras características, sinais que apontavam para o autismo. A confirmação veio quando ela tinha dois anos e meio. Sinceramente, não foi um choque. De alguma forma, meu coração de mãe já sabia. Estávamos imersas nas terapias, e os sinais eram claros. Continuamos focadas nos estímulos, buscando sempre a maior autonomia possível para ela.


O diagnóstico que realmente me abalou, que me fez sentir o peso da jornada, foi o de deficiência intelectual, recebido recentemente. Diferente dos outros, esse eu senti profundamente. Não vivi o "luto" nos primeiros diagnósticos, talvez porque já estivesse na linha de frente, lutando, correndo atrás das terapias. Mas desta vez, precisei parar. Permiti-me sentir, processar a notícia e recalcular a rota. A maternidade atípica não é fácil, não há como romantizar. Vivemos em uma montanha-russa de emoções, dias bons e dias difíceis. Mas busquei sabedoria e força para seguir, sempre com o foco no que realmente importa: a felicidade e a qualidade de vida da Clara. Vê-la feliz, conquistando sua autonomia dentro de suas possibilidades, é a minha maior recompensa.


Eliana Nakakubo: Para você, o que significa viver a maternidade atípica?


Suellen Priscille: Para mim, a maternidade atípica é a personificação da resiliência, da coragem, da força e, acima de tudo, da fé. É um caminho onde, dia após dia, nos desdobramos para oferecer o melhor suporte aos nossos filhos, mesmo quando a exaustão nos consome, a sobrecarga pesa e a incompreensão da sociedade nos isola. A falta de uma rede de apoio é uma ferida aberta para muitas de nós, mas, ainda assim, encontramos uma força inexplicável para seguir, para desbravar novos caminhos que permitam o desenvolvimento dos nossos filhos.


Essa jornada me ensinou a enxergar beleza nos detalhes mais simples, a celebrar cada pequena vitória como um marco grandioso, mesmo que para o mundo pareça trivial. Aprendi a ver cada conquista da Clara como um verdadeiro milagre, porque só eu sei o suor e a luta por trás de cada passo, cada avanço.


Contudo, a realidade também é dura. Enfrentamos o preconceito e o julgamento constantemente, como se a deficiência fosse uma sentença de limitação absoluta. E isso dói, porque eu conheço o potencial imenso que nossos filhos carregam. É por isso que escolho, todos os dias, lutar por uma sociedade mais inclusiva, mais respeitosa, que consiga enxergar além dos rótulos e compreender a profundidade do que significa a deficiência.


A maternidade atípica é essa montanha-russa constante: um dia estamos no topo, comemorando, e no outro, enfrentamos crises e desafios que parecem insuperáveis. Mas, mesmo nos dias mais sombrios, permanecemos firmes. Somos o porto seguro dos nossos filhos, a mão que os ampara quando o mundo lhes vira as costas. E é nessa força, nesse amor incondicional, que encontro a motivação para continuar. Porque, apesar de tudo, acredito em dias melhores, acredito que cada esforço vale a pena e que cada batalha vencida nos aproxima de um futuro com mais empatia, respeito e inclusão para eles.


Eliana Nakakubo: O que a motivou a escrever um livro e a compartilhar sua jornada tão abertamente nas redes sociais?


Suellen Priscille: A decisão de escrever meu primeiro e-book nasceu do desejo profundo de levar informação sobre o autismo a mais pessoas. Quero que outras famílias compreendam melhor essa condição, que se sintam conectadas através das experiências que compartilho no meu dia a dia com a Clara. Meu objetivo é também alcançar aquelas famílias que estão recebendo o diagnóstico agora, oferecendo um pouco de luz e entendimento sobre os desafios e as imensas possibilidades dessa jornada.


As redes sociais se tornaram uma ferramenta incrivelmente poderosa para amplificar essa mensagem de conscientização. Hoje, consigo alcançar milhares de pessoas, falando de forma respeitosa sobre o autismo, suas comorbidades e outras deficiências. Meu perfil não é apenas um diário pessoal, ele tem um propósito claro: mostrar à sociedade que o autismo existe, que inúmeras famílias vivem essa realidade e que precisamos urgentemente de mais empatia e respeito.


Infelizmente, o desconhecimento e o preconceito ainda são barreiras enormes. Eu mesma já passei por situações dolorosas de discriminação com a minha filha, e foi essa dor que me impulsionou a criar um espaço online focado em informar e conscientizar. Acredito firmemente que, quanto mais informação de qualidade circular, mais conseguiremos transformar a realidade dessas famílias e construir um ambiente verdadeiramente inclusivo para nossos filhos atípicos.


Eliana Nakakubo: Como você enxerga o papel das redes sociais na conscientização sobre a maternidade atípica? De que forma expor sua história ajudou você, sua família e, de alguma maneira, a própria Clara?


Suellen Priscille: Vejo as redes sociais como um megafone para a causa da maternidade atípica. Elas democratizam o acesso à informação, permitindo que conteúdos relevantes, inclusive com base científica, cheguem a um público amplo. Isso é fundamental para desmistificar o autismo e outras deficiências. Diariamente, recebo mensagens diretas


cheias de carinho, de mães que compartilham suas dúvidas, angústias e buscam algum tipo de suporte. Esse contato é uma via de mão dupla: me fortalece e me faz perceber que meu propósito vai muito além da minha própria história; trata-se de ajudar outras famílias a se sentirem vistas, compreendidas e acolhidas.


Muitas dessas mensagens trazem relatos emocionantes de mães que identificaram sinais de autismo em seus filhos a partir do que compartilho, buscando ajuda profissional precocemente. Eu sei, por experiência própria com a Clara, o impacto transformador que uma intervenção iniciada no tempo certo pode ter. Saber que, de alguma forma, estou contribuindo para que outras crianças tenham acesso a esse suporte essencial é o que me impulsiona a continuar.


Para a Clarinha, a vida segue seu curso natural. Ela tem suas rotinas, e eu faço questão de preservar sua imagem e privacidade nas redes. Mas, sempre que sinto que pode agregar valor, compartilho algumas de suas evoluções em vídeos motivacionais para a comunidade autista. Acredito que mostrar essas vitórias, pequenas e grandes, é importante para inspirar outras famílias e reforçar que, mesmo diante das dificuldades, sempre há motivos para celebrar. No final das contas, é isso que importa: reconhecer cada conquista e seguir em frente, um dia de cada vez, com amor e fé inabaláveis.


Eliana Nakakubo: Você mencionou usar o humor em suas postagens e na linguagem das redes. Por que escolheu essa abordagem?


Suellen Priscille: Ah, o humor! Acho que ele sempre fez parte de mim, mesmo nos momentos mais caóticos. Está na minha essência encontrar um jeito de sorrir. Para mim, encarar os desafios com um sorriso torna a jornada mais leve, e foi exatamente essa leveza que quis trazer para as redes sociais. A maternidade atípica nos apresenta desafios imensos, não são poucos! Mas tenho a convicção de que, se conseguirmos arrancar um sorriso em meio ao furacão, o dia já se torna um pouco melhor.


Sempre imaginei as redes sociais como um espaço não apenas para informar, mas também para acalentar corações que, muitas vezes, estão feridos e cansados. E o humor tem esse poder incrível de conexão e alívio. Quando compartilho uma situação do dia a dia com leveza, com um toque de graça, sei que do outro lado da tela pode ter uma mãe que sorriu, que se sentiu compreendida e que, por um instante, respirou mais aliviada.


Eu sempre tento me colocar no lugar de quem está lendo: "Como eu gostaria de me sentir ao ver isso?". E então, ofereço aquilo que eu mesma gostaria de receber: informação de qualidade, conscientização, motivação e, claro, uma boa dose de humor. Rir em meio ao caos é a minha forma de resistir e, quem sabe, inspirar outras mães a fazerem o mesmo. No fundo, acredito que umas "cócegas no coração" podem transformar um dia pesado em algo mais suportável. Afinal, quem disse que não podemos rir enquanto a vida nos desafia, não é mesmo? Fim da Entrevista.

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